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Evaristo Sá/AFP via Getty Images

2. Ele não. Mas quem?

Hamilton Mourão não era a primeira opção de Jair Bolsonaro para a vice-presidência. Mas um ponto foi seguidamente alardeado por aliados após a escolha: Mourão, um general da reserva que cogitou um golpe contra Dilma Rousseff e é fã do torturador Brilhante Ustra, funcionaria como uma espécie de antídoto contra um eventual impeachment de Bolsonaro.

É verdade que o presidente e Mourão há tempos não se bicam, e que o fosso entre eles vem aumentando. Mas o vice de fato é uma incógnita para quem se dedica a avaliar o impeachment. Não exatamente por ele ter sido militar. Mourão hoje é um político, filiado ao minúsculo PRTB, do irrelevante Levy Fidelix. Mas não se sabe bem que espécie de político.

Bem diferente eram Itamar Franco e Michel Temer, vices e sucessores de Collor e Dilma. Mineiro, Itamar era político desde os anos 1950, filiou-se ao MDB após o golpe de 1964, foi prefeito de Juiz de Fora e senador eleito em 1974 e reeleito em 1982. Já deputado federal e no PL, liderou o partido na Constituinte e foi escolhido por Collor para compor sua chapa por ser do Sudeste do país.

Michel Temer foi presidente da Câmara dos Deputados durante o governo de FHC – e exerceu o cargo de braços dados com o governo do tucano. Com Lula no Planalto, Temer trabalhou para que o então PMDB fizesse parte da base governista. Bem-sucedido, foi premiado com a candidatura a vice-presidente de Dilma Rousseff em 2010 e 2014.

Se Itamar foi discreto e preferiu não ser visto conspirando contra o já moribundo Collor, Temer foi o principal propagandista de si mesmo como alternativa à angustiante paralisia do segundo governo Dilma, com direito a uma patética carta de rompimento.

Não há nenhum sinal de que Mourão se movimente como fez Temer. Mas Itamar jogou parado e, com o agravamento da crise, cristalizou-se como um governante mais viável do que Collor ao mundo político e aos donos do PIB. De Mourão, nem isso pode ser dito.

3. A (im)popularidade do presidente

Cientistas políticos e congressistas costumam repetir que não se faz impeachment de presidente que ainda tenha apoio popular significativo. Para efeitos de comparação, em agosto de 2015, Dilma Rousseff era aprovada por apenas 8% dos entrevistados pelo Datafolha – 71% a reprovavam.

Em texto sobre essa pesquisa, a Folha notava que a petista havia se tornado mais impopular do que Collor às vésperas do seu impeachment, em 1992. Era uma perda de popularidade acelerada – dois meses antes, 65% avaliavam Dilma como ruim ou péssima.

A pesquisa mais recente do mesmo Datafolha sobre Bolsonaro saiu em 22 de janeiro e registrou 40% de reprovação ao presidente de extrema direita. É muito menos rejeição do que Dilma e Collor experimentaram. Mas é uma avaliação negativa que sobe rápido: em dezembro, outra pesquisa Datafolha aferiu 32% de reprovação a Bolsonaro.

Quer dizer: a crise da vacina parece ter colocado Bolsonaro em seu pior momento até agora. Mas ele ainda tem base. Resta saber qual o tamanho dela – ou seja, qual será o piso de popularidade do presidente, representado pelo seu eleitorado fiel, disposto a ir com ele até o fim.
Collor foi eleito por um partido nanico, tentou governar sem formar uma base parlamentar forte e acabou isolado. Não houve manifestações de rua a seu favor. Bolsonaro também chegou ao poder por um partido sem expressão e – até o agravamento das acusações de corrupção contra seu filho mais velho, Flávio – insistiu em desprezar o Congresso.

Só que, ao contrário de Collor, o capitão reformado tem uma base popular organizada, haja vistas as manifestações antidemocráticas ao longo de 2020. Mas o PT de Dilma sempre soube colocar gente na rua – e ela caiu mesmo assim. Porque havia outros elementos na equação: crise econômica e Lava Jato.

A pandemia é aliada de Bolsonaro. Ela desencoraja grandes manifestações nas ruas, que poderiam derrubar a popularidade do presidente. As carreatas não fazem o mesmo efeito das grandes aglomerações populares, que geram imagens fortes – como lembra qualquer um que acompanhou as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff na televisão e nos jornais – com poder de engajar os indecisos.

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Mau desempenho da economia, liderada por Paulo Guedes, pode ser um ingrediente a favor do impeachment. Mauro Pimentel/AFP via Getty Images

4. Bolso vazio

Quanto tempo leva um impeachment?
  • Para que se tenha uma ideia mais clara, o impeachment de Fernando Collor levou 119 dias entre a aceitação do pedido pela mesa diretora da Câmara e a votação final no Senado. Apenas 27 dias foram necessários para que o plenário da Câmara decidisse afastar o então presidente de seu cargo. Cabe lembrar que Collor renunciou antes da votação, tentando preservar seus direitos políticos.
  • Já o de Dilma Rousseff levou muito mais tempo: 273 dias, contados do momento em que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do MDB do Rio de Janeiro, recebeu o pedido, em 2 de dezembro de 2015, até o Senado cassar o mandato da petista, em 31 de agosto do ano seguinte. Foram precisos 137 dias apenas para que a Câmara decidisse afastar a presidente para que ela fosse julgada pelo Senado.
  • O que explica a diferença? Para começar, a lei que trata do impeachment, de 1950, incorporou mudanças estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal após o afastamento de Collor, ampliando o direito à defesa. Collor não tinha uma base de apoio popular, ao contrário de Dilma. Finalmente, o processo contra a petista foi controverso: nunca houve consenso sobre o principal crime de responsabilidade atribuído a ela – as pedaladas fiscais. O principal motivo do impeachment foi a tentativa de frear o avanço da operação Lava Jato sobre figuras do MDB, como confessou sem querer o então senador Romero Jucá.

A economia não vai bem sob Bolsonaro. O desemprego é recorde, houve recessão inédita em 2020 – algo esperado, em função da pandemia do novo coronavírus –, mas a coisa já não ia bem em 2019. No primeiro ano do governo de extrema direita, o PIB cresceu 1,1% – menos que nos anos Temer. Pior, a economia brasileira naquele momento tinha o mesmo tamanho que em 2013. E ainda não existia a covid-19.

Tem mais: o auxílio emergencial, aprovado e inflado graças à oposição e à Câmara e que foi responsável pela maior distribuição de renda da história do paísacabou. E não há, no governo, consenso sobre a prorrogação dele. Há ministros favoráveismas Paulo Guedes, o liberal de segunda linha que comanda a economia bolsonarista, se alterna entre reformas que não saem do lugarprivatizações que nunca começam e promessas estapafúrdias – para não dizer mentirosas. E sofre oposição até do presidente. Com isso, a simpatia do “mercado financeiro” – nome pomposo para banqueiros e outros ricaços que vivem de emprestar dinheiro ao governo – já não é a mesma de tempos atrás.

Agora, vamos olhar para o que está na história. Quando Collor começou a ser ameaçado de impeachment, a economia estava em estado deplorável. O país vivia o auge de uma crise econômica em que o Brasil estava desde os anos 1980. O inflação chegou a 2.500% ao ano em 1993 e nunca baixou de 500% ao ano durante o mandato de Collor.

Para tentar derrotar a inflação, o governo dele confiscou as poupanças de todos os brasileiros. Deu errado, levou famílias inteiras à ruína e corroeu a aprovação do presidente.

Por outro lado, Lula nunca foi ameaçado de impeachment nem no momento mais delicado do governo dele, no escândalo do mensalão. A economia rescia sem sobressaltos e estava em trajetória ascendente. Já sob Dilma…

5. O custo do impeachment para Lira

O impeachment mira o presidente da República, mas a história mostra que o Congresso – principalmente a Câmara dos Deputados – não sai ileso do processo. Ele requer que parlamentares estejam dispostos a arriscar até o futuro de suas carreiras políticas.

As últimas horas de Rodrigo Maia na presidência da Câmara mostram isso. Irritado com a interferência de Bolsonaro na disputa, ele ameaçou retirar da gaveta um (ou vários) dos pedidos de impeachment. Foi contido, não apenas pela operação montada pelo Centrão com apoio do Palácio do Planalto, como também por um fiador que lhe é caro. “Se ele der um sinal desse para o mercado, será abandonado pelo mercado. Sobrará o que para ele?”, afirmou um deputado próximo a Maia ao Congresso em Foco. Ao final, ele terminou dizendo que não havia dito o que disse.
A história recente tem outros exemplos do custo de um impeachment a quem decide encabeça-lo na Câmara.

Ibsen Pinheiro, do MDB gaúcho, comandava a Câmara durante o impeachment de Collor. Ele terminaria cassado após uma denúncia até hoje controversa de participação num escândalo que ficou conhecido como o caso dos Anões do Orçamento. O processo de cassação dele foi permeado pela sensação de que se tratava de de reequilibrar o balanço entre os poderes após a deposição de Collor. Em 1999, o Supremo Tribunal Federal o absolveu das acusações criminais por falta de provas.

Ibsen encerrou seu mandato como presidente da Câmara em fevereiro de 1993. Meses depois, era o nome de mais peso envolvido no escândalo de roubo de dinheiro público via emendas parlamentares que ficou conhecido como caso dos Anões do Orçamento. O político perdeu os direitos políticos por oito anos e retornou para a política em 2004, como vereador em Porto Alegre.

Eduardo Cunha, igualmente do MDB, chegou ao comando da Câmara em 2015 sustentado pela insatisfação do Centrão com o governo Dilma Rousseff – que havia apoiado a candidatura de Arlindo Chinaglia, do PT paulista. Mais tarde, a eleição de Cunha seria vista como o primeiro sinal do abandono do governo da petista.

Após o impeachment, porém, Cunha se tornaria o primeiro presidente da Câmara afastado do posto pelo Supremo Tribunal Federal. Tido como articulador brilhante e líder de uma bancada fiel a si, ele teve o mandato cassado graças aos votos de 450 deputados – apenas dez parlamentares lhe permaneceram fiéis. Um deles foi Arthur Lira.

As acusações contra Cunha eram graves, mas também pesou o desejo da Câmara de se mostrar imparcial entregando a cabeça do algoz de Dilma Rousseff. Logo depois, o ex-deputado seria preso pela operação Lava Jato, igualmente ansiosa em apanhar um adversário do petismo.
O autor do relatório que selou a sorte do presidente na Câmara, Jovair Arantes, do PTB goiano, estava no sexto mandato consecutivo como deputado federal em 2016. Em 2018, ele naufragou nas urnas. Com 56 mil votos, perdeu a reeleição.