sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

A psicologia de massas do nazismo no filme “Jojo Rabbit”, por Wilson Ferreira



Equilibrando-se corajosamente no fio da navalha entre tragédia e humor, o diretor Taika Waititi mergulha na guerra interior do pequeno protagonista: entre o superego do seu amigo imaginário (nada menos que o próprio Hitler) e o inconsciente secreto que se esconde no sótão da sua casa. Jojo finge ser uma nazista cruel da juventude hitlerista. 

A psicologia de massas do nazismo no filme “Jojo Rabbit”

por Wilson Ferreira

Nazistas são maus, frios e assassinos. É a própria encarnação do Mal no cinema, criando dramas pessoais e tragédias humanas. Tão poderosos que, através da propaganda política, teriam poderes totais sobre as massas hipnotizadas. Mas o filme “Jojo Rabbit” (seis indicações ao Oscar) é uma visão alternativa nesse senso comum. Equilibrando-se corajosamente no fio da navalha entre tragédia e humor, o diretor Taika Waititi mergulha na guerra interior do pequeno protagonista: entre o superego do seu amigo imaginário (nada menos que o próprio Hitler) e o inconsciente secreto que se esconde no sótão da sua casa. Jojo finge ser uma nazista cruel da juventude hitlerista. Mas tudo o que quer é fazer parte de um clube. “Jojo Rabbit” cria uma representação fílmica da psicologia freudiana no nazismo: no fundo, as pessoas sentem-se solitárias e mal-amadas – sós, procuram a sensação de pertencimento. Nem que seja entre nazistas.
Nazistas sempre foram os vilões perfeitos para o cinema: frios, maus, calculistas, cínicos, assassinos. Como não poderia deixar de ser, filmes sobre nazistas e segunda guerra mundial sempre focalizaram nos dramas pessoais, famílias que se separam e o horror diante do genocídio, o ódio e o racismo organizado como um sistema político-ideológico.
Mas além da maldade, os nazistas parecem dotados de algum tipo de poder hipnótico sobre as massas, capazes de agitar as multidões e arrastá-las à irracionalidade.
Essa visão que perpassa todos os subgêneros dos filmes sobre nazismo (exploitation, históricos, biográficos, humor negro etc.) é um senso comum diretamente originado do polímata francês Gustave Le Bon, no século XIX – para ele, as multidões seriam contagiadas pelo poder hipnótico dos líderes. Solto na multidão, o indivíduo abandonaria a responsabilidade individual e cederia às emoções. Um prato cheio para a propaganda política.
Mas o filme Jojo Rabbit (2019), com seis indicações ao Oscar (Melhor Filme, Roteiro Adaptado, Atriz Coadjuvante, Figurino, Montagem e Design de Produção), do diretor judeu polinésio Taika Waititi, traz um enfoque diferente. Mais freudiano para fenômenos de massa como foi o nazismo no século XX.
Jojo Rabbit é uma comédia dramática que satiriza a Alemanha nazista já nos estertores da guerra e na iminência da derrota, cujo protagonista é um garoto solitário que tem como amigo imaginário nada menos do que Adolf Hitler. É justamente aí que está a aposta arriscada de Waititi quanto ao tom do humor – um dos maiores genocidas da História como uma figura paterna alternativa, aparecendo para oferecer apoio e conselhos. Aliás, interpretado pelo próprio diretor.
Mas é justamente nesse improvável amigo imaginário de um garoto de dez anos que está a novidade de Jojo Rabbit entre a cinematografia do nazismo: o garoto é um fanático aspirante à juventude nazista, mas não porque foi contagiado pelo poder hipnótico da propaganda nazi em uma pequena cidade no interior da Alemanha.
Solitário (seu pai e irmã morreram e vive com sua mãe), ele está desesperado pelo anseio de pertencer a um grupo, ser reconhecido, respeitado e amado. Adere ao nazismo, assim como poderia aderir a qualquer movimento que estivesse em evidência.
Tudo o que deseja é ter a sensação de pertencimento. Nada mais freudiano do que a psicologia de massas na qual se baseia o drama do pequeno protagonista: o que as pessoas mais temem não é a morte, mas a tragédia de não serem amadas – de morrerem em vida, sós e anônimas. Por isso, tendem a acompanhar a maioria, pelo medo de ficarem para trás. Não amadas.

O Filme

Jojo Betzler (brilhantemente interpretado por Roman Griffin Davis) é um garoto solitário em algum lugar da Alemanha nazista nos últimos estágios da guerra. Ele mora com sua mãe Rosie (Scarlett Johansson), tendo perdido o pai e a irmã. Desesperado por pertencer a alguma coisa, o pequeno Jojo torna-se um membro fanático da Juventude Hitlerista, sempre acompanhado pela assessoria do seu amigo imaginário Adolf Hitler.
Este Hitler imaginário é um amálgama de superego nazista e racionalizações reconfortantes. Às vezes, ele se enfurece (“Me acalme!”). Quando não tem o que dizer, oferece cigarros para o garoto. Às vezes ele fala gírias adolescentes… e come unicórnios.
Jojo parte para um campo de treinamento para jovens de Hitler, liderado pelo ex-capitão da SS alcoólatra chamado Capitão K (Sam Rockwell) e sua grotesca assistente, Fraulein Rahm (Rebel Wilson).
Não demonstrando a crueldade necessária ao ser desafiado a matar um coelho, é humilhado pelo grupo e passa a ser chamado de “Jojo Rabbit”. Depois de uma conversa motivacional com o Hitler imaginário, Jojo então tenta demonstrar suas proezas marciais arrebatando uma granada de mão, apenas para explodir em si mesmo, tornando-se manco e com grandes cicatrizes no rosto.
Jojo, um antissemita fanático, descobre horrorizado, que sua mãe está escondendo uma adolescente judia, Elsa (Thomasin McKenzie) no sótão.
Incapaz de traí-la sem também trair sua própria mãe, Jojo faz um pacto desconfortável com Elsa, insistindo que ela revele os segredos sinistros dos judeus para um livro que está escrevendo chamada “Yoohoo Jew”. Para assustar ainda mais Jojo, Elsa informa os “segredos” dos judeus: eles têm chifres, são atraídos por coisas brilhantes e penduram-se no teto quando dormem, como morcegos.

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