Bolsonaro alega estar “surpreso” com o
grande aumento demonstrado pelos números recentes e alega que a
constatação do INPE é inconsistente com os resultados dos primeiros
meses de 2019
da Amazônia Real
Os números do desmatamento são reais apesar da negação do presidente Bolsonaro
por Philip Martin Fearnside
O desmatamento na Amazônia brasileira em junho de 2019 foi 88% maior do que no mesmo mês de 2018 [1], e o desmatamento na primeira quinzena de julho foi 68% superior ao de todo o mês de julho de 2018 [2]. Não há razão para questionar os atuais números de desmatamento do programa DETER (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) [3]. O presidente Bolsonaro atacou repetidamente o INPE, especialmente desde 19 de julho, quando declarou em um café da manhã com jornalistas: “A questão do Inpe, eu tenho a convicção que os dados são mentirosos” [4].O Presidente Bolsonaro alega estar “surpreso” com o grande aumento demonstrado pelos números recentes e alega que a constatação do INPE é inconsistente com os resultados dos primeiros meses de 2019 [5]. No entanto, as diferenças são facilmente explicadas e não invalidam os números que o presidente questiona.
Em três dos primeiros quatro meses de 2019, as taxas de desmatamento foram menores do que em 2018 [6], mas esses meses estão na estação chuvosa da Amazônia, quando praticamente não ocorre desmatamento, o que os torna essencialmente irrelevantes para o total anual. Ampla variação ano-a-ano nesses meses é normal, já que a variação em fatores como a cobertura de nuvens (que é sempre grande durante a estação chuvosa) podem influenciar bastante os resultados. Junho, por outro lado, é o primeiro mês inteiro da estação seca no governo do Presidente Bolsonaro, e o grande aumento do desmatamento é real e é importante.
O grande salto no desmatamento pode ser atribuído tanto à retórica quanto às medidas reais do governo Bolsonaro. Outros fatores que poderiam fornecer explicações alternativas não mudaram muito, como a (baixa) atividade econômica geral do Brasil, os preços da soja e da carne bovina e a taxa de câmbio da moeda brasileira em relação ao dólar dos EUA.
As perspectivas para o restante do mandato de quatro anos do Presidente Bolsonaro são sombrias, já que o governo presidencial desmantelou em apenas seis meses as agências ambientais brasileiras, o programa de controle do desmatamento e o sistema de licenciamento ambiental [15]. Um artigo publicado na revista científica Environmental Conservation em 24 de julho fornece extensa documentação sobre esses revezes [11].
O surto de desmatamento é ruim para a imagem do Presidente Bolsonaro, que tem um longo histórico de contestar qualquer resultado científico que considere inconveniente [16]. A negação do aquecimento global antropogênico por Bolsonaro é o exemplo mais conhecido [17] e, como no caso do presidente americano Trump, essa negação é uma afronta a toda ciência, não apenas àqueles que estudam as mudanças climáticas. Similarmente, o atual ataque do Presidente Bolsonaro ao INPE por relatar números inconvenientes sobre desmatamento é um ataque a todas as instituições científicas brasileiras.[18]
Notas
[1] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2019. Alertas do DETER na Amazônia em junho somam 2.072,03 km². INPE, São José dos Campos, SP,[2] Brant, D. 2019. Bolsonaro critica diretor do Inpe por dados sobre desmatamento que ‘prejudicam’ nome do Brasil. Folha de São Paulo, 19 de julho de 2019.
[3] Diniz, C.G., A.A.D.A. Souza, D.C. Santos, M.C. Dias, N.C. da Luz, D.R.V. de Moraes, J.S.A. Maia, A.R. Gomes, I.D.S. Narvaes, D.M. Valeriano, L.E. Maurano & M. Adami. 2015. DETER-B: The new Amazon near real-time deforestation detection system. IEEE Journal of Selected Topics in Applied Earth Observations and Remote Sensing 8(7):3619–3628.
[4] Girardi, G. 2019. Bolsonaro acusa Inpe de divulgar dados mentirosos sobre desmatamento. O Estado de São Paulo, 19 de julho de 2019.
[5] Girardi, G. 2019. Bolsonaro quer acesso prévio a dados sobre desmatamento para ‘não ser pego de calças curtas’. O Estado de São Paulo, 22 de julho de 2019.
[6] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2019. DETER.
[7] Branford, S. & M. Torres. 2019. Brazil sees growing wave of anti-indigenous threats, reserve invasions. Mongabay, 19 de fevereiro de 2019,
[8] Phillips, D. 2019. Amazon gold miners invade indigenous village in Brazil after its leader is killed. The Guardian, 28 de julho de 2019.
[9] Faleiros, G. 2019. Invaded Uru-eu-wau-wau indigenous reserve awaits relief by Brazil’s new government. Mongabay, 14 de fevereiro de 2019.
[10] Branford, S. 2019. Yanomami Amazon reserve invaded by 20,000 miners; Bolsonaro fails to act. Mongabay, 12 de julho de 2019.
[11] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2019. Brazil’s new president and “ruralists” threaten Amazonia’s environment, traditional peoples and the global climate. Environmental Conservation,
[12] Branford, S. & T. Borges. 2019. Brazil guts environmental agencies, clears way for unchecked deforestation. Mongabay, 10 de junho de 2019.
[13] Assunção, J., C. Gandour & R. Rocha. 2013. DETERing deforestation in the Amazon: Environmental monitoring and law enforcement. Climate Policy Initiative, Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas, Pontifica Universidade Católica (PUC). Rio de Janeiro, RJ. 36 p.
[14] OC (Observatório do Clima). 2019. Sob Bolsonaro, autuações do Ibama são as menores em uma década. OEco, 23 de maio de 2019.
[15] Branford, S. & T. Borges. 2019. Dismantling of Brazilian environmental protections gains pace. Mongabay, 08 de maio de 2019.
[16] Fearnside, P.M. 2018. “Apocalipse Agora” para a Amazônia: Promessas devastadoras do presidente-eleito. Amazônia Real 13 de novembro de 2018.
[17] Fearnside, P.M. 2019. Bolsonaro e o Acordo de Paris. Série. Amazônia Real.
[18] Este texto é traduzido de um comentário publicado em Inglês no site de Mongabay: Brazilian Amazon deforestation surge is real despite Bolsonaro’s Denial. Mongabay, 29 de julho de 2019.
*Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.
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