sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Garimpeiros estupraram crianças e mulheres Yanomami sob o olhar conivente do governo Bolsonaro. Reportagem de Cíntia Alves

 

"Somente depois de deitar com tua filha eu irei te dar comida", disse um garimpeiro a um indígena Yanomami. Veja outros diálogos



A tragédia humanitária que ameaça a existência do povo Yanomami está diretamente ligada ao avanço acelerado do garimpo ilegal nas terras que estão demarcadas há 30 anos. O crescimento da atividade ilegal, sob o olhar conivente do governo Bolsonaro, atingiu seu pior patamar no ano de 2021.

Sobre aquele ano histórico, a Hutukara Associação Yanomami publicou um relatório, desenvolvido em parceria com pesquisadores, apontando inúmeras violações aos direitos humanos que ocorreram (e ainda ocorrem) cotidianamente nas comunidades espalhadas pelo Amazonas e Roraima.

Violência, drogas, ameaças, fome, estupro de vulneráveis, DST, envenenamento por mercúrio, adoecimento e morte dos povos tradicionais. Em entrevista à TV GGN nesta semana, Dario Kopenawa, dirigente da Hutukara, afirmou que o governo Bolsonaro recebeu o relatório e várias denúncias dos crimes praticados no território Yanomami, mas nada fez para cessar a destruição.

Estupro de crianças e mulheres

Autoproclamado “defensor da família”, Bolsonaro e seus subordinados fecharam os olhos até mesmo para as situações de exploração sexual de crianças, narradas no relatório “Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo”, divulgado em abril de 2022.

Entre os trechos mais estarrecedores, estão os registros sobre como os garimpeiros estupravam crianças, adolescentes e mulheres Yanomami em troca de comida.

Bebida alcoólica como estratégia

Para facilitar o crime, garimpeiros drogavam ou embriagavam as vítimas com cachaça, e também chegavam a usar a bebida alcóolica como barganha junto aos homens da família, para convencê-los a entregar suas irmãs ou filhas.

Segundo o relatório, ao menos três meninas de 13 anos morreram, provavelmente em decorrência de doenças sexualmente transmissíveis, após terem sido estupradas por garimpeiros.

Há denúncia ainda de um “casamento” arranjado entre garimpeiro e uma adolescente Yanomami, com promessa de pagamento com mercadorias, coisa que nunca aconteceu.

Os relatos mais comuns são de garimpeiros se aproveitando do empobrecimento e da fome nas aldeias – que cresceram justamente em virtude da contaminação dos rios pelo mercúrio despejado pelo garimpo ilegal.

O documento, encaminhado à Polícia Federal, Ministério Público Federal, Exército, entre outros órgãos, contém relatos de diálogos dos criminosos com as famílias e vítimas indígenas.

Confira alguns trechos abaixo:

Após os Yanomami solicitarem comida, os garimpeiros rebatem sempre. Quando os [Yanomami] disserem: “Certo, sendo que vocês estão tirando ouro de nossa floresta, vocês devem dar comida para nós sem trocar”, [os garimpeiros respondem:] Vocês não peçam nossa comida à toa! É evidente que você não trouxe sua filha! Somente depois de deitar com tua filha eu irei te dar comida!”. Assim, quando os Yanomami tentam pedir comida, os garimpeiros sempre respondem.

Contudo, outros não atendem os Yanomami, rebatendo apenas: “Eu não tenho comida!”. Após falarem assim, os [garimpeiros] pedem, para as mulheres adultas, suas filhas e também pedem, para os homens velhos, suas filhas. Eles falam assim para os Yanomami: “Se você tiver uma filha e a der para mim, eu vou fazer aterrizar uma grande quantidade de comida que você irá comer! Você se alimentará!”.

Somente depois de apalpar é que dão um pouco de comida. “Se eu pegar tua filha, não vou mesmo deixar vocês passarem necessidade!”, assim os [garimpeiros] falam muito para os Yanomami.

De fato, as pessoas agora pensam: “Depois que os garimpeiros que cobiçam o ouro, estragaram as vaginas das mulheres, fizeram elas adoecer. Por isso, agora, as mulheres estão acabando, por causa da letalidade dessa doença. Estão transando muito com as mulheres. É tanto assim que, em 2020, três moças, que tinham apenas por volta de 13 anos, morreram.

Os garimpeiros fazem perguntas para os jovens que levam juntos suas irmãs. Assim pergunta para os Yanomami: “Aquela moça que você levou consigo, é sua irmã?”. Então os Yanomami respondem: “É minha irmã!”. Depois dos Yanomami disserem assim, deixam os garimpeiros informados. Por isso, [continuam pedindo:] “O que você pensa a respeito de sua irmã? Se você fizer deitar sua irmã comigo, sendo que você é o irmão dela, eu vou pagar para você 5 gramas [de ouro]. Faça o que eu digo! Se você quiser cachaça, eu vou dar também cachaça. Você vai ficar bêbado na sua casa!”. Falam assim para os Yanomami, por isso, têm relações com as mulheres. Induzem os Yanomami a fazer isso.

Os garimpeiros estupraram muito essas moças, embriagadas de cachaça. Elas eram novas, tendo apenas tido a primeira menstruação. Após os garimpeiros terem provocado a morte dessas moças, os Yanomami protestaram contra os garimpeiros, que se afastaram um pouco. As lideranças disseram para eles que estando tão próximos, se comportam muito mal. Por isso, outros Yanomami os apelidam de “letalidade da malária”.

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