quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Mídia patrociona golpe e criminaliza protesto, por Cynara Menezes



Os três jornalões em estado pré-falimentar se uniram para atacar os manifestantes que, em todo o país, estão indo às ruas para protestar pacificamente contra o golpe parlamentar que arrancou do cargo uma presidente da república legitimamente eleita. Repetem assim o papel sujo que tiveram em 1964 de não só promover o golpe como legitimá-lo, criminalizando a oposição. Qual será a próxima etapa? A Folha emprestar veículos para transportar jovens aos porões da tortura?

As palavras se repetem nos textos furibundos dos jornalões, que soam como ameaça aos indignados que desejam ocupar as ruas. “Baderna”, “vandalismo”, dizem sobre os protestos em São Paulo, que já duram quatro dias. Quanta diferença no tratamento que davam às manifestações verde-e-amarelas contra Dilma Rousseff durante os dois anos que duraram seu segundo mandato! Antes, eram “atos cívicos”, “festa da democracia”. Agora viraram “coisa de vagabundos”.

O governo de São Paulo, que nos protestos da burguesia paulistana anti-Dilma liberou as catracas do metrô para quem nunca antes utilizara transporte coletivo, age de forma oposta com os manifestantes contra o governo golpista de Michel Temer. Está dificultando o acesso das periferias às zonas centrais e decidiu simplesmente proibir que os manifestantes se reúnam na avenida Paulista no domingo. A ordem no palácio dos Bandeirantes, isto está claro, é reprimir os movimentos contra o governo. E reprimir com violência.

Todos os relatos sobre a manifestação de anteontem em São Paulo coincidem que a caminhada vinha pacífica pela Consolação até que a Polícia Militar começou a jogar bombas de gás lacrimogêneo nos participante. Não por acaso, os policiais paulistas estiveram até outro dia sob o comando de Alexandre de Moraes, que saiu da secretaria de segurança de Alckmin direto para o ministério da Justiça de Temer. E a PM de Moraes se mostra pouco preparada para atirar com balas de borracha: miram na cabeça das pessoas, quando o correto seria mirar abaixo do pescoço, de preferência nas pernas, a uma distância de mais ou menos 20 metros, ou pode ser fatal.

Foi assim que um fotógrafo perdeu um olho nas manifestações de junho de 2013, ao tomar um balaço de borracha no olho, à queima-roupa –e a polícia ainda foi inocentada de lhe pagar indenização. No dia 31, no protesto em São Paulo, uma garota de 19 anos, estudante universitária, teve o olho ferido por estilhaços e também corre o risco de ficar cega. Dois fotógrafos foram presos sem motivo e um deles teve o equipamento inteiramente destruído. Um advogado em Caxias do Sul foi agredido por policiais após a manifestação ter se dispersado. Revoltado, o filho dele acabou dando um chute na cabeça de um dos policiais. Violência gera violência.

Depois de patrocinar o golpe contra Dilma, agora a mídia chapa-branca clama por “pacificação”, a mesma que foi incapaz de promover após as eleições em 2014. Ora, para temos paz seria preciso que a imprensa condenasse com veemência a violência policial e mais ainda, que exigisse dos comandantes da PM orientar seus subordinados no sentido de proteger os manifestantes, exatamente como atuou em relação aos que faziam selfies na Paulista com fardados –em vez de mandar descer o sarrafo, que sem sombra de dúvidas é a ordem emitida aos policiais ao se dirigirem aos protestos desde que derrubaram Dilma.

(Se você é um dos que perguntam por que nos protestos de direita não acontecem confrontos, esta é a resposta: porque em relação à direita, a ordem recebida é tratar os manifestantes como príncipes. Para a esquerda, sobram tiro, porrada e bomba.)

Ao invés disso, os jornalões estimulam a PM a ser violenta com os manifestantes. Repare nas palavras escolhidas pelo Estadão, o panfleto reacionário dos Mesquita, em seu editorial. “Cabe às autoridades constituídas reprimir a baderna e impedir que a desordem se torne rotina. É preciso saber distinguir o legítimo e democrático direito a manifestação no espaço público da baderna que atenta contra o direito da população de viver seu cotidiano em paz. No primeiro caso, o poder público tem o dever de oferecer aos cidadãos a garantia de se manifestar pacificamente. No segundo, tem a obrigação de impedir a ameaça potencial ou a ação daqueles que infringem a lei. A baderna nas ruas, longe de ser uma forma legítima e democrática de manifestação popular, é um grave atentado ao direito fundamental que os cidadãos, o povo, têm de viver em paz.”

A Folha vai além e, sob pretexto de mirar os black blocs, chama os manifestantes pró-Dilma de “fascistas”, como se os fascistas de verdade não fossem os que marchavam em favor do golpe nas ruas ou os que estão aboletados como colunistas no próprio jornal. “Grupelhos extremistas costumam atrair psicóticos, simplórios e agentes duplos, mas quem manipula os cordéis? O que pretendem tais pescadores de águas turvas? Quem financia e treina essas patrulhas fascistoides? Está mais do que na hora de as autoridades agirem de modo sistemático a fim de desbaratá-las e submeter os responsáveis ao rigor da lei.”

O Globo, em tom de ameaça, mira os simpatizantes do bolivarianismo em editorial intitulado Para Que Nunca Mais Haja Impeachment. “O fortalecimento não é apenas das cláusulas da responsabilidade fiscal, mas da Constituição como um todo, para desaconselhar de vez projetos bolivarianos como o do lulopetismo. Serve de aviso geral à nação.” Cinicamente, o pasquim dos Marinho afirma que não houve ruptura institucional no país, ignorando as ruas em chamas. “É de notável ineditismo, na América Latina, o fato de esses incidentes institucionais no país serem contornados sem as rupturas clássicas na região.”

É mais curiosa ainda a súbita condenação pelos jornais das manifestações de rua no país quando se sabe que, nos últimos anos, a imprensa brasileira tem apoiado e promovido protestos violentos na vizinha Venezuela –e criticado duramente o governo de Nicolás Maduro por reprimi-los. Agora que as manifestações contra o governo ressurgem no Brasil por parte da esquerda, a mídia decadente quer carimbá-las como “baderna” ou “desordem”. Mentira. Nada mais natural que os ânimos estejam acirrados, afinal há golpistas e golpeados, e estes têm todo o direito de estarem bastante zangados com o que ocorreu com Dilma.

O país caminha a passos rápidos para a convulsão social. A esquerda brasileira não aceita que corruptos patrocinados pela mídia tenham deposto uma mandatária honesta. Temos todo o direito de nos manifestar cotidianamente contra um governo que não reconhecemos como legítimo. Não adianta a imprensa burguesa tentar culpar Dilma ou Lula pelas manifestações contra Temer. Não se pode reverter os fatos e passar a culpar as vítimas. A mídia é co-partícipe deste golpe e, já que ela considera o governo de Temer legítimo, tem a obrigação de reconhecer que protestos contra ele também o são. Ao pintar manifestantes de esquerda como párias, é a imprensa, e não Lula ou Dilma, quem incita o ódio.

Ao referendar a violência policial contra manifestantes, a mídia só reforça a impressão de grande parte da imprensa internacional, a de que o Brasil passou por um processo de impeachment às margens da legalidade –não se pode esquecer que a mesma OEA que condenou Maduro também condenou o processo de impeachment de Dilma. A repressão fortalece o sentimento de que vivemos sob um regime TEMERário onde se manifestar livremente contra o governo é proibido, da mesma forma que sempre criticaram no Irã ou em Cuba. Alguém aí falou em ditadura?

UPDATE: agora o blogueiro da Veja pede PRISÃO do líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), Guilherme Boulos. Aqui.

UPDATE 2: o caquético jornal dos Mesquita volta à carga contra os manifestantes, contra Dilma e contra o PT. Leia.

Texto de Cynara Menezes

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