sábado, 25 de agosto de 2018

Bancada da Bíblia e Lógica de Ação Mercantil-Religiosa, por Fernando Nogueira da Costa


Do GGN:




Se tem campanha na igreja
O candidato está errado
Seja na missa ou no culto
Está mal-intencionado
Aquele que pede seu voto
Em um momento sagrado

Campanha também não pode
Se for na televisão
Ou no programa de rádio
Da sua religião
Porque não se usa a fé
Pra ganhar uma eleição
O Ministério Público Federal do Amapá começou campanha nas redes sociais com versos de cordel intitulado “Nenhuma Religião Combina com Eleição”. Tal advertência é necessária haja visto o papel conservador da bancada evangélica no Congresso Nacional.
Por exemplo, quando o presidente temeroso preparava uma ofensiva para conquistar votos a favor da reforma da Previdência, ele fazia uma articulação com lideranças de igrejas evangélicas como com o pastor-presidente da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em São Paulo. Temer recebeu também no Planalto o apóstolo fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus. O golpista buscava o convencimento dos fiéis por meio dos pastores, e sobretudo dos parlamentares comandados por esses líderes religiosos e integrantes da bancada evangélica na Câmara.
No início do ano, Fabio Murakawa (Valor, 15/01/18) informou os líderes de igrejas evangélicas e partidos ligados a elas tinham traçado uma estratégia para ampliarem suas bancadas na Câmara e no Senado a partir de 2019. O objetivo na eleição de 2018 é aumentar de 93 para cerca de 150 o número de deputados federais e quintuplicar, de três para 15, o total de senadores.
A estratégia, no caso do Senado, é lançar apenas um candidato por Estado, evitando dois candidatos evangélicos concorrerem entre si. Neste ano, 54 cadeiras estarão em jogo no Senado, duas por Estado. No caso da Câmara, também há a ideia de fazer uma espécie de “distritão evangélico”, com um ou poucos candidatos ligados às igrejas disputando votos em cada região, independentemente do “partido de aluguel”.  Isto é visto como mais difícil de realizar se comparado à eleição ao Senado.
O conselho de pastores tem condição de mapear as regiões, para saber onde dá para eleger um ou dois deputados representantes de seus negócios. Um desafio é conquistar o eleitor evangélico das regiões Norte e Nordeste, ainda muito fiel ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Com uma bancada maior, os evangélicos pretendem defender ainda mais uma agenda conservadora: antiaborto, contra liberação das drogas e do jogo, e em prol do que chamam de “família natural”: casal heterossexual composto homem e mulher. Essa coordenação extrapartidária, também pode negociar apoio a um candidato a presidente, desde logo, em um eventual segundo turno. Caso eleito, cobrará o apoio.
Na economia, a preferência dos líderes evangélicos é pelo modelo neoliberal, adotado no governo golpista.
Conversas sobre a tática eleitoral começaram a se intensificar desde outubro de 2017. Participam representantes das igrejas batistas, além da Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular, Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, Mundial do Poder de Deus, Terra Nova, Fonte da Vida e Sara Nossa Terra, entre outras.
As articulações são costuradas pelo senador Magno Malta (PR-ES), golpista ex-candidato a vice-presidente de Bolsonaro. Conversam com membros da Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana. Eles têm agendas conservadoras em comum com a dos evangélicos. Outra frente de mobilização está na Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab), presidida pelo bispo líder da Sara Nossa Terra.
Apesar da força adquirida na pauta conservadora do Congresso nos últimos dois anos, líderes religiosos e políticos da Frente Parlamentar Evangélica se acham sub-representados. Citam pesquisa Datafolha, em dezembro de 2016, ter estimado em 29% o total de evangélicos no país. O argumento é terem 28% a 33% de representatividade religiosa na população, mas serem ainda 15% do Congresso como este Poder Legislativo tivesse de representar a divisão religiosa da população! Confundem política e religião!
Consideram o problema da baixa representatividade mais agudo no Senado, onde o grupo ocupa apenas 3 das 81 cadeiras da Casa, além de Magno Malta, são evangélicos atuantes apenas um senador do PSDB-SE e outro do PRB-RJ, suplente do prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), e, como ele, bispo licenciado da Universal. Os evangélicos demandam um político com perfil articulador no Senado.
Do grau de sucesso da negociação entre as diferentes igrejas depende o futuro de lideranças importantes, como o deputado Marco Feliciano (PSC- SP). Ele é um pastor da igreja Assembleia de Deus, conhecido por ter presidido a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Antes, em 2011, tinha publicado mensagens homofóbicas e racistas em seu Twitter sobre homossexuais e afro-brasileiros. Em sua trajetória como pastor, chegou a ser denunciado por estelionato pelo procurador-geral da República em 2009. O processo foi remetido ao STF em razão do foro privilegiado. Tem de manter isso, viu?
Como político oportunista contumaz, disse na maior cara-de-pau:  – “Meu sonho é o Senado. Mas, se não houver uma boa articulação entre as igrejas, não vou trocar o certo pelo duvidoso”. Depois da campanha nos templos, ele foi eleito para a Câmara em 2014 com 398.087 votos, o terceiro mais votado em São Paulo.
Por que tanta sede pelo poder mundano e abandono do espiritual? As igrejas estão entre as maiores lavanderias de dinheiro sujo do país. Se os fiéis declarassem à Receita Federal o total de dízimos pagos por eles talvez ficasse mais difícil a lavagem. Mas o lobby evangélico a defende. O MP se ocupa só com a perseguição política a Lula.
Uma igreja poderá informar à Receita Federal ter recebido de dízimo qualquer valor desejado, ignorando a diferença com o valor de fato arrecadado dos “fiéis” tementes das pregações. De acordo do Lauro Jardim, de “O Globo”, as igrejas declararam à Receita em 2013 terem recebido em dízimo e doações R$ 17 bilhões, quase 24% a mais em relação a 2011. Quanto dessa quantia elevada teria sido lavagem de dinheiro?
Pelo fato de as igrejas desfrutarem de privilégios fiscais, a Receita Federal não arrecada nem expõe na internet o “faturamento” das igrejas. Não se sabe, por exemplo, quanto cada igreja obteve dos fiéis e de outras fontes, qual é o destino desse dinheiro, quais das igrejas foram submetidas a auditorias fiscais, etc.
Havia suspeita de determinadas igrejas lavarem dinheiro do tráfico de drogas e de políticos. Foi confirmada pela prisão pela PF (Polícia Federal), no dia 21/02/18, de dez pessoas suspeitas de colaborar com o tráfico de drogas administrado pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) na cidade de Itaquaquecetuba (Grande São Paulo). Entre os suspeitos, estavam um traficante do PCC e seu irmão, além de um pastor de uma igreja evangélica. O dinheiro do tráfico era juntado ao dízimo na igreja. Esta foi construída só para essa função.
Se um traficante de drogas e um politico corrupto quiserem lavar o dinheiro sujo, basta eles criarem uma igreja e declararem ter recebido um montante em dízimos de fieis inexistentes. Se existem, não doaram senão um percentual mínimo do registrado por um contador como dizimo. Não gera nota fiscal nem é declarado para imposto de renda, porque igrejas são isentas.  A PF tem de saber como rastrear a procedência dos dízimos.
A bancada da bíblia visa principalmente salvaguardar a imunidade tributária aos templos, privilégio alvo de discussões e debates desde 2015, quando foi realizada campanha popular com petição pedindo o fim da isenção. De acordo com o art. 150, VI da Constituição Federal, é vedado à União, aos Estados, ao DF e aos municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto. Entidades religiosas não sofrem tributação e nem pagam impostos sobre aluguel de imóveis, bens possuídos e serviços prestados.
A justificativa para tal imunidade tributária seria o fato de as religiões serem consideradas como de interesse social e igrejas serem organizações sem fins lucrativos. Teoricamente, não comercializam produtos ou vendem serviços religiosos. Na prática, a fonte de renda das igrejas inclui, além do dinheiro recebido diretamente dos fiéis, a venda de bens e serviços, e os rendimentos financeiros com o capital acumulado.
Em um Estado laico não faz sentido dar imunidade tributária a uma parcela das instituições do Brasil apenas porque são religiosas. Qualquer organização usada como negócio para levar seus líderes ao enriquecimento pessoal, inclusive listados pela revista Forbes, deve ser tributada. Escândalos envolvendo organizações religiosas motivaram a ação coletiva pelo fim da imunidade tributária a templos de qualquer culto. Entendeu toda a importância dada à eleição de uma maior “bancada da bíblia”?
Fernando Nogueira da Costa - Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Brasil dos Bancos” (2012) e “Bancos Públicos no Brasil” (2016). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.

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